O Crescimento e a Busca da Inteireza
Por Gizelda Capilé Releitura do DESPERTANDO NA MEIA IDADE, Kathleen A. Brehony
O senso comum percebe todo esse processo como sintoma indicativo de uma doença orgânica ou psíquica, contrariamente à visão de C.G.Jung que aponta estas manifestações como tentativas de auto-cura, movimentos de uma psique saudável ao tentar encontrar um equilíbrio adequado.
Jung nos diz que “o momento da eclosão da neurose não é exatamente uma questão de acaso. Em geral, ele é decisivo. Normalmente, é o momento em que se exige um novo ajuste psicológico, isto é, uma nova adaptação”.
É importante observarmos que Jung considera a neurose como “desunidade da pessoa consigo mesma” e todo o processo de transformação humana (individuação) como um “movimento consciente em direção à inteireza psicológica”. Em última análise, a situação emocional percebida como doença é o caminho e a motivação para o processo de individuação.
Segundo Jung, “o homem neurótico que sabe que é neurótico é mais individuado que o homem a quem falta esta consciência. O homem que é um transtorno para o seu meio, e sabe disso, é mais individuado que o homem bem-aventuradamente inconsciente de sua natureza”. Esta é a visão também de Giordano Bruno (eminente estudioso do séc. XVI) quando nos diz que “O Diabo não é tão mau como o pintam”, numa referência explícita à questão dos opostos, ou seja, à disparidade entre as atitudes do Ego consciente e o que ocorre no inconsciente.
Enquanto que para os jovens os problemas advêm geralmente de um conflito entre as forças do meio e os impulsos intrínsecos ligados ao relacionamento com as figuras parentais, na maturidade o embate se estabelece entre os pares de opostos, consciente e inconsciente. Desta forma, a habilidade para administrar o conflito interno que surge no período de desenvolvimento da maturidade é de fundamental importância, o que só é possível a partir da estruturação de um Ego forte, ou seja, à partir de uma personalidade que permita a integração de suas partes frágeis, conscientizando-se de que o que importa no processo de individuação não é a perfeição, mas, o reconhecimento e aceitação de quem eu sou e do que eu quero para a minha vida.
Segundo Jung a psique individual conhece tanto os seus limites como o seu potencial. Se os limites são excedidos ou o potencial não realizado, ocorre o colapso. A própria psique age para corrigir a situação na busca da inteireza, ou seja, na busca da integração dos postos, da individuação.
Na meia idade, os problemas psicológicos subjacentes, muitas vezes inconscientes, que estão lutando para emergir, assim como a busca da inteireza e a freqüente confrontação com a própria mortalidade e a mortalidade dos outros, não são tão simples, nem restritos a sexo, classe social, escolaridade, nem a qualquer variável demográfica.
A transição da meia-idade é, portanto, uma experiência profundamente humana que pode e deve ser vista como uma oportunidade que a natureza oferece para a busca da realização do potencial individual e conseqüente encontro com a pacificação interior. Algumas pessoas quase nem percebem a entrada na maturidade e outras sentem como se tivessem sido atropeladas por um caminhão. Inúmeras pessoas sentem alguma mudança física, de relacionamento ou profissional, mudanças na auto-imagem, mudanças de valores com relação à família, sexualidade, espiritualidade e identidade pessoal. É uma iniciação a lugares internos antes desconhecidos, volta à “casa do Pai”, encontro consigo mesmo.
O que chamamos de transição da maturidade é, portanto, um processo espiritual e psicológico e não necessariamente cronológico, sendo possível que os sintomas e mudanças dramáticas que associamos à meia-idade ocorram em qualquer ponto da vida. A maioria das pessoas experimentará essas mudanças e sintomas por volta dos 35, 40 e 50 anos de idade. Geralmente quando essas mudanças ocorrem fora da meia-idade é porque uma crise existencial obriga as forças espirituais, arquetípicas, a entrarem em ação pressionando o individuo a crescer e mudar. Talvez, pela primeira vez, a pessoa se encontre no centro de uma crise que determina a perda de quem pensava que fosse e isto dói. Dói tanto que se apresenta sob a forma de sintomas como dificuldades para dormir, vaga sensação de ansiedade, falta de entusiasmo pelas atividades que desenvolvia até então, irritabilidade, sensação de tristeza, solidão, sentimento de impotência ou onipotência, sensação de vazio, choro sem motivo aparente, conflito entre escolhas opostas.
Há um ditado chinês que diz que “enfrentando o mal antes dele se manifestar é possível domina-lo”. Partindo do principio que o mal é tudo aquilo que nos desloca da posição cômoda e nos causam desconforto, para crescermos, temos que nos desapegar de muitas coisas que acabaram por definir quem somos.
A personalidade formada na juventude está em combate mortal com a sabedoria do si - mesmo, o lugar profundo dentro de cada um de nós que compreende e conhece as perdas que ainda estão por vir durante todo o desenrolar de nossas vidas. No nível mais básico, temos que nos desapegar de quem somos a fim de nos tornar quem devemos ser.
A passagem da maturidade é a porta de entrada para as camadas mais profundas da nossa alma. Esta passagem pode ser transposta de inúmeras maneiras e podemos optar se os passos serão dados com sofrimentos e transtornos ou se caminharemos com leveza e alegria, abrindo as comportas da alma através da psicologia, das artes, da filosofia, da mitologia, da ecologia e da espiritualidade. Esta passagem precisa ser transposta de forma consciente, com segurança e paciência, com coragem e determinação. É importante que saibamos dos nossos próprios limites, que nos respeitemos nesta jornada do herói, pois, quando se começa uma batalha “talvez se queira mais do que se é capaz de realizar e no meio de tudo nem mesmo se ousa tentar aquilo que há para fazer consigo mesmo” (Franz Kafka).